
Veredas do Texto
Por Regiane Boainain
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Grandes textos: veredas
Quando penso em veredas, logo me vem à mente o primeiro parágrafo do conto "Na berma de uma estrada", de Mia Couto. “Estou aqui no sopé da estrada, à espera que alguém me leve. Um qualquer, tanto faz. Basta que passe e me leve. É meu sonho antigo: sair deste despovoado, alcançar o longe. Até já cansei deste sonho. Meu tio sempre me avisou: não durma perto da estrada que as poeiras irão sujar seus sonhos. E aconteceu. Mas eu, nem se acredita, eu sempre gostei de poeira porque me traz ilusão dos caminhos que não conheço.”
Pensei nesse conto porque ele me transmite a ideia de uma estrada desconhecida que necessita ser atravessada, vivenciada, experimentada. Sempre ouvi dizer que bons textos nos causam incômodos doloridos, isso porque nos forçam às reflexões mais peculiares sobre a condição humana. Também já ouvi de professores as seguintes expressões em momentos de análise: “como podemos entrar nesse texto? Por onde podemos começar a leitura? Qual caminho? De que forma?”
Sempre achei fantástica essa forma de ilustrar o trajeto a ser feito com o texto literário. Isso porque, sem querer, esses professores já disseram tudo. Eles já nos trouxeram a concepção de que existe sim um caminho que deve ser percorrido com muito respeito à inscrição poética. Portanto, “enveredar- se” não se trata apenas de estar em um determinado lugar, mas de saber vivenciar e ter a disposição de como atravessá- lo.
Quando me enveredo por textos que gritam dentro de mim e me fazem ficar surda com seus silêncios, eu me sinto como a narradora do Mia Couto, que não teme as poeiras da estrada, porque elas é que trarão as possibilidades de novos caminhos. Gosto de pensar em ficar à beira da estrada, esperando por alguém que me leve, pois assim me entrego à experiência de que sou carregada por esses textos para bem longe desse cansativo mundo recheado de significados.
Karina Baldo Fávaro.