A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector.

E se eu quiser falar com Deus?
Quem nunca exigiu de si mesmo uma longa viagem para dentro? Quem nunca solicitou de sua alma uma verdade nunca vista pelos olhos de nossa humanidade? Pois bem, quem já passou pela sofrida experiência de seu próprio resgate interior, tem toda a competência solicitada pela nossa majestosa Clarice Lispector para realizar a leitura de A Paixão Segundo G.H.
“Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do quer que seja, se faz gradual e penosamente- atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar...”
LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 7.
Ao ler A Paixão Segundo G.H., sentia que essa viagem de retorno a mim mesma, solicitada por GH, ia descamando a pele de minha alma, tirando todas as superficialidades da mente para resgatar a mais pura essência. Não há como ser expectador da viagem de G.H. sem participar da experiência. A narradora pede a mão ao leitor, a todo o momento, firmando um pacto de cumplicidade e projetando em nós as paixões ocasionadas por esse introspectivo trajeto ao ser. A palavra “paixão” representa sofrimento, dor, martírio. Na obra, trata- se do sofrimento necessário para realizarmos, junto com G.H., o trajeto mais significativo de nossas existências. A paixão de G.H. retrata a batalha com o silêncio interno da narradora que vai sufocando o seu grito de súplica e socorro a Deus, à vida e ao leitor.
“Meu grito foi tão abafado que só pelo silêncio contrastante percebi que não havia gritado. O grito ficara me batendo dentro do peito.”
LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 46
A impotência da narradora em ouvir a sua própria súplica e elevá- la a Deus causa tormento. O grito abafado no peito não se cala, pois ela consegue realizar várias experiências de alteridade durante o romance. Ela consegue enxergar o seu reflexo, por meio das lembranças, nos olhares de pessoas que passaram por sua vida, o que lhe traz um grande vazio. Até chegar à degustação da barata, G.H. nos leva à reflexão sobre a sua identidade inominável e vaga. Isso nos causa o velho desconforto da projeção do leitor na personagem, proporcionando- nos o sentimento de que todos já exercemos a tarefa irremediável de descoberta realizada por GH.
E, aí, quem conseguiu chegar ao ápice de toda essa experiência de sentir- se, de “comer a barata”, soube o que é ter a aproximação máxima com DEUS. Soube e sabe como é falar com DEUS.

LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.