Sombras de reis barbudos, de José J. Veiga

Oi, gente!
Tudo bem?
Hoje, vou tratar aqui a respeito da obra Sombras de reis barbudos, de José J.Veiga, publicada pela primeira vez em 1972, em plena Ditadura Militar no Brasil.
Durante anos, ela foi lida exclusivamente como uma alegoria ao regime militar brasileiro, já que conta a história de uma pequena cidade que perde totalmente a sua liberdade, devido aos atos absurdos e tirânicos de uma Companhia que se instala na cidade.
Em 2015, data que marca o centenário de José J. Veiga( 1915-1999), a obra Sombras de reis barbudos foi editada pela Companhia das Letras numa edição comemorativa. Por isso, a existência desta linda edição em capa dura e com um rico prefácio, escrito por Luís Roncari.
As edições anteriores não contavam com prefácio, pois o próprio autor não gostava deles, nem os queria em seus livros. Como Roncari disse, "talvez pelo fato de que, quando o romance fosse bom, ele falasse por si só. E esse fala muito".
Entretanto, a meu ver, o prefácio é um presente para professores, estudantes de Letras ou qualquer outra pessoa que queira ter uma noção mais ampla dos fatos.
Este post será dividido em partes. Espero que elas sejam esclarecedoras para você.
O foco narrativo
A obra Sombras de reis barbudos é o relato em 1ª pessoa do adolescente Lucas sobre as transformações de Taitara, após a chegada de tio Baltazar com implantação da Companhia.
É importante saber que, sendo a narrativa em primeira pessoa, o sujeito, que narra os fatos, conta-os de acordo com sua perspectiva, seu entendimento e maturidade. Por isso, há passagens não claras para o leitor, já que são muito confusas e misteriosas para o próprio Lucas, que na época só tinha onze anos.
Antes de adentrarmos no enredo, é importante saber a respeito de dois tempos presentes na obra: o tempo da narração e o tempo do narrado.
É importante relembrar que quando tio Baltazar chega a Taitara, Lucas é uma criança de onze anos, sendo assim, os fatos que ficam em sua memória são filtrados pela perspectiva de um menino.
Entretanto, quando ele resolve escrever o que aconteceu em Taitara após a chegada do tio, ele já está mais amadurecido, por isso, consegue refletir sobre aquelas situações que antes não eram tão claras para ele.
Não há, no texto, indícios de quantos anos Lucas tem quando decide escrever tudo o que aconteceu em Taitara, após a chegada do tio Baltazar; porém, como ele ainda estava na escola, imaginamos que ele tivesse uns dezesseis ou dezessete anos.
Pode-se dizer, então que tempo da narração (ou da enunciação) é o tempo em que ocorre o registro dos fatos passados. Tinha o narrador uns dezessete anos.
Já o tempo do narrado ( ou do enunciado) é quando Lucas, de fato, vive os acontecimentos. Tinha ele 11 anos.
O enredo
Taitara é uma pequena cidade. É lá que mora o menino Lucas, de onze anos, com seus pais, Horácio e Vi. A cidade vê a sua rotina pacata ser modificada quando tio Baltazar, irmão da mãe de Lucas, chega à cidade com o desejo de fundar a Companhia de Melhoramentos de Taitara, prometendo levar modernidade à cidade.
Tio Baltazar foi tão bem-vindo naquele vilarejo que passava pelas ruas como um rei, já que a população via nele o homem que tiraria Taitara do atraso.
Aqui vale lembrar que o nome Baltazar faz menção a um dos reis magos que visitara Jesus, levando ouro ao menino. No caso, tio Baltazar prometia levar a modernidade a Taitara.
A Companhia passa a funcionar a todo vapor. Tio Baltazar se torna um homem popular e o pai de Lucas corre para baixo e para cima ajudando-o na empresa.
Lucas vivia dias alegres quando, sem mais nem menos, tio Baltazar é afastado da Companhia. A notícia constitui um dos grandes segredos da obra, já que Lucas e, consequentemente, nós, leitores, não sabemos o motivo da saída de tio Baltazar. Sabemos apenas que ele fica muito doente por conta do golpe.
Lucas pensa que, sem tio Baltazar, a Companhia morreria para o pai e sua família, mas não é isso que acontece, seu pai se torna fiscal da empresa.
Um dia, muros, muros e mais muros aparecem, como se tivessem brotados no chão, por todas as ruas da cidade, afastando vizinhos e atrapalhando o deslocamento das pessoas.
Horácio, pai de Lucas, vira chefe dos fiscais e mete medo em toda população, sobretudo, em sua família, onde ele é fiscal em tempo integral.
Por essa época, Lucas se afasta muito do pai. Ele não sabe o que a Companhia faz, muito menos o que acontece lá, já que pessoas que nela entram boas saem dela agindo com tirania. Esse é um dos mistérios do livro.
Sem as conversas com os vizinhos, a única forma de diversão do povo era olhar para o céu para observar o voo dos urubus.
Cabe dizer aqui que o urubu é uma ave agourenta, que se alimenta de carnes em decomposição. Não estaria Taitara se encaminhando para a podridão?
Se antes as aves só sobrevoavam as casas, depois, como se a população se acostumasse até com o mal, os urubus passaram a ser animais de estimação do povo. Vendo essa diversão, a Companhia tratou de divulgar leis mais rígidas.
Aos poucos, as aves voltaram para o céu e a população, novamente, ficou sem ter com o que se distrair. A vida se resumia a "olhar muros, praguejar muros e contornar muros".
Até que um dia, veio a notícia de que um mágico viria à cidade. Foi um alvoroço, Lucas e seu amigo foram ao hotel esperá-lo. Lá, ele teve sua grande decepção. Usk era um homem baixo, tinha uma ferida que minava água no rosto. Para Lucas, parecia um mágico qualquer que, nem de longe, lembrava a grandiosidade vista nas propagandas.
Lucas se desinteressou do Grande Usk, mas mesmo assim, foi ao espetáculo. No dia marcado, contrariando suas expectativas, todos saíram do teatro maravilhados, pois os truques de Usk mais pareciam milagres: Usk voou como borboleta, mudou bola de bilhar em cubo, transformou areia em água, jogou sapos para cima, transformando-os em beija-flores.
Lucas sabia que tudo aquilo era absurdo, contudo, começou a refletir o que constituía um absurdo. Não seria um absurdo sua realidade? Por que, então, jogar sapos para cima e transformá-los em beija-flor era absurdo? E o que a Companhia fazia com a população não era um grande absurdo?
O mágico devolveu aos moradores a capacidade de desviar a atenção da prisão e sofrimento impostos pela Companhia. Entretanto, ninguém sabia ao certo se ele, de fato, esteve em Taitara. Lucas chegou até a perguntar para moradores e para o dono do teatro se o mágico teria vindo à cidade, mas as repostas eram muito contraditórias, levando Lucas a pensar se a vinda do mágico não teria sido uma grande alucinação coletiva.
Após Usk "ir embora", a Companhia endureceu ainda mais as leis e qualquer ação das pessoas poderia ocorrer em punição. Lucas se torna cada vez mais preso.
Após anos e anos nessa vida de prisão, Lucas recebe uma carta de sua tia Dulce convidando-o a passar as férias em sua casa. Lucas queria muito saber de tio Baltazar, mas temeu sair de sua cidade naquele momento, pois, por essa época, seu pai começa a se desinteressar pela Companhia e retoma a afeição pelo filho.
Contra sua vontade, Lucas vai à casa de tia Dulce. Na primeira noite, ela o inicia sexualmente. Em sua estada, Lucas vê que o tio estava muito fraco, doente e em nada se lembrava do tio de outrora.
Quando Lucas volta para casa, seu pai havia saído da Companhia e decide montar uma armazém, Entretanto, a Companhia torna esse sonho impossível, culminando com a prisão do pai.
Um dia, o povo descobre que subir na parte mais alta da cidade devolvia a eles a liberdade. Foi nessa subida que Lucas viu o primeiro homem voando. No começo, a mãe pensou que ele estava doente, mas depois, a cidade quase toda voou também.
Em uma conversa no armazém de sr Chamum, Lucas descobre que o voo não é doença, mas um remédio para o povo não enlouquecer. Sr Chamum pergunta ao professor, presente na roda de conversa, se um dia a população retornará aos seus afazeres. E ele finaliza que ela voltará para a festa dos reis barbudos.
Espero ter ajudado!
Regiane